terça-feira, 12 de março de 2019
A gula dos euforicos
Estávamos sentados na esplanada de uma pisaria barata. Entretidos a ver o mundo passar naquela rua mais ou menos secundária, por trás da estação central. Estava sol e no relvado junto ao canal muitas famílias aproveitavam para expor a pele ao calor. A primavera em Amesterdão acontecia ligeira, mesmo com algum frio, mas com sol. Um sol ainda tímido a empurra todos para ao ar livre. Todas as pessoas da cidade estavam na rua.
Na mesa ao nosso lado, contigua com a nossa, sentaram-se duas amigas. Entre os vinte e cinco e os trinta. Notámos pelo sotaque com que falavam uma com a outra que eram inglesas de Londres. Vinha vestidas de britpop apesar da aparência remeter para a urbanidade inglesa na genética tinham a identificação dos antepassados colonizados no sudoeste asiático. Olhos rasgados, cabelos pretos lisos, pele morena e voz de passarinho. As duas juntas com sapatos, casacos, chaves mala de mão talvez pesassem uns oitenta quilos...
Estavam visivelmente eufóricas. Viviam aquela euforia fumegante de Amesterdão. Na alegria da liberdade que as ruas, lojas e cafés de Amesterdão dão, quando há euros para serem gastos. Falavam alto e riam muito.Pediram pizza e coca-cola.
Entretanto chegou a nossa pizza. Notei numa delas, não a que estava ao meu lado, a outra, que estava em frente, um olhar de gula sobre o meu prato e o queijo que fazia fios... Até comentei:
--a bacana agora que viu a pizza é que lhe deu a fome!!!
Comemos e continuamos a falar, atentos à monumental moca das vizinhas.
Minutos depois chegaram as pizzas das raparias. Fizeram festa com palmas e tudo! A que estava ao meu lado, atacou a pizza como se não visse comida desde os anos oitenta. A do outro lado da mesa, foi mais lenta...gulosa, mas com método, comeu primeiro as bordas de massa que empurrou com coca-cola.
Nós continuamos a comer e a ver o mundo passar. A desfrutar do sol que amornava o dia sem ser suficientemente quente para tirar os casacos.
A gaja ao meu lado, de repente ficou calada e pálida. E os orientais do sudeste asitico, quando ficam pálidos, ficam transparentes cor de papel de arroz... A outra continuou a falar e a rir.. nem teve tempo para se preocupar com a amiga.
De um momento para o outro, da boca da minha vizinha jorrou muito mais pizza que aquela que eu vi comer. Veio a pizza misturada com a coca-cola, café com leite, e uma massa indistinta que parecia bolo de chocolate. Posso descrever a matéria porque vi bem... se não tivesse desviado os pés, tomava um banho grego, ou pelo menos, lavava-me as botas.
A empregada apareceu depressa com um balde e uma esfregona. Mas mais rápido que a empregada, chegaram, não se sabe de onde dois policias. Falaram com a amiga em frente, que igualmente pedrada, que continha o riso e balançava entre o choque e a zanga. Tentava explicar aos policias que a amiga estava bem que não era preciso chamar uma ambulância. De vez em quando, a que tinha vomitado, levantava a cabeça e dizia que estava bem, só um bocadinho cansada...A outra justificava:
--Que a amiga comeu muito depressa, que estava um bocadinho eufórica e foi gulosa... comeu muito depressa e o estômago rejeitou, só isso...
Os dois policias entenderam, mas antes de se irem embora passaram uma multa: por embriagues na via publica e sujar o passeio...
Esta memoria anda há dias a pairar-me na cabeça.
Pode ser da primavera que ai vejo a chegar.
Pode ser vontade de viajar.
Pode também ser uma metáfora para a gula de eufóricos que por ai vejo...
Às vezes, há pessoas que na sua euforia se deixam tentar pela gula desmedida... Mas do que fome é essa vontade de querer comer mais do que a sua dimensão consegue conter. Nesses casos, é preciso ter cuidado, nem sempre o estômago aguenta.
Digo isto, sem maldade nem moralismo. Só naquela... porque me lembro da mocinha que se vomitou toda em Amesterdão
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