terça-feira, 30 de abril de 2019
Invisivel
Contou-me que veio da Serra Leoa sem papeis.
Encontramos-nos ao final da tarde junto à seca do bacalhau. Eu fui pescar. Ele acabava a faina de mariscador fugindo à maré que subia.
Estava frio e o homem vinha molhado. Arrastava atrás de si uma saca de rede com uns quinze quilos de ameijoa.
Num frances manhoso perguntou-me se tinha um cigarro.
Eu tinha.
Ficamos ali os dois a fumar e a olhar o poente.
Um minuto de silencio pelo dia que morria. Depois falamos. Da vida, de barcos, de cães, marés e mulheres.
Ficou de noite.
-- Já posso ir embora, já está escuro.
-- Porquê?
-- Porque lá em cima não gostam de ver um homem negro a passar à porta das casas. Têm medo. Por isso vou quando fica escuro, para as pessoas não me verem.
E assim seguiu invisível na noite gelada.
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