terça-feira, 30 de abril de 2019
Jamaica
Já se adivinhava...
Nas últimas vezes que passei pelo Cais e vi aqueles betos todos de aquário na mão, a beberricarem gin onde só falta o peixinho vermelho, percebi que o Cais do Sodré já não era ali...
Partiu para outro lugar.
Dizem que vai fechar o Jamaica.
É tanga. O Jamaica é eterno.
Uma vez os americanos mandaram um exército invadir o Jamica e levaram na boca.,. Agora vem estes bacanos da taimeaute com ideias...
Nem pensar.
Uma noite no final da primavera de 1991, estiveram quase a invadir o Jamaica. Um porta-aviões americano ancorado no Tejo despejou no Cais centenas de marines a caminho da guerra do golfo. A coisa começou com uma troca de palavras entre um casal de lésbicas e um americano bêbado que não conhecia as regras da educação. Como o gringo não sabia como falar com senhoras, as senhoras viraram bichos maus e ensinaram-lhe. Os amigos do gajo quiseram interromper a lição. Vieram os porteiros, dois armários negros deste tamanho para pôr os camones na Rua. Os armários eram grandes mas os americanos eram de muita arrumação e não queriam sair. O resto do pessoal ajudou na expulsão.
Sei que foi assim porque estava lá e vi.
A porta fechada e cá fora o grupo dos camones cresceu aos pontapés. Vieram as putas, os cientes e os gandins mais os porteiros do Texas. Ninguém chamou a polícia mas eles apareceram também. Juntaram-se mais gringos e estava o caldinho armado.
Foi até de manhã.
Pela primeira e única vez polícias, ladrões, chulos, prostitutas, comerciantes, porteiros, barmens e notívagos, todos lado a lado. Todos do lado certo. Muralha de aço abençoada pelo Santo António que é padroeiro de Lisboa e aparentado com o diabo.
Até o vendedor de jornais participou com a tranca do quiosque na mão a enxotar marines.
Todos contra os americanos.
Das noites mais lindas da minha vida. Com pedras da calcada, cadeiras e garrafas de sagres pelo ar. Pareciam pássaros a voar contra os invasores. Aquilo era bonito.
Durou até de manhã com os marines a retirarem pela 24 de Julho direcção a doca da Rocha.
Épico.
Lavei as mãos e a cara na estação e apanhei o primeiro barco para o Barreiro de coração cheio percebendo que pertencia a um povo de heróis.
Tenho a cicatriz de um corte na minha mão direita como recordação permanente dessa noite e do Jamaica. Para sempre. Podem demolir o Jamaica. Talvez seja melhor assim! Mas os americanos não entram!
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