sexta-feira, 3 de maio de 2019
Maia datcha
Aqui há umas duas semanas tive uma reunião de trabalho num daqueles edifícios antigos e remodelados da Graça. Fantástica vista sobre o rio e margem sul. Mesmo por cima da estação de Stª. Apolónia.
Atravessei o rio cedinho e decidi-me por andar até à estação de comboios que era ponto de encontro marcado. O sol de finais de Julho por volta das oito da manhã ainda não queima e Lisboa de manhã convida ao passeio.
Cruzei o Jardim do Campo das cebolas na direcção à casa dos bicos. Entre duas palmeiras crescidas e protegida pelos contentores do lixo ficou organizada a instalação – arte pós moderna: Um carro de supermercado cheio de garrafas vazias. A estrutura que resta do que foi um aparador de sala. Uma mesa de esplanada da em plástico branco com uma perna partida. Caixotes de papelão dobrados a fazer de cama e um cobertor imundo em cima. Sentado sobre uma lata de tinta vazia estava um eslavo enorme com uma bebedeira ainda maior que ele.
Descontente com a organização do mobiliário urbano, empertigava-se um policia. Indiferente e à espera, uma equipe de trabalhadores câmara de Lisboa. Pressionado pelos taxistas e na insegurança dos seus vinte anos e estatura mediterrânea o jovem policia com sotaque do porto que disfarçava, tentava impor respeito ao gigante russo:
-- Bamos lá a desocupar a bia que as funcionarias camarárias querem fazer o trabalhinho delas!!!
As três senhoras fardadas de verde da CML falavam entre si em crioulo e assistiam à cena como se fosse uma telenovela.
O russo fingia que não ouvia o bófia e ia-se rindo... Por insistência dos taxistas, lá abandonou o seu posto permitindo às empregadas da limpeza armadas de ancinhos arrancarem a merda de pombo à relva do jardim!!!
O policia impressionado com a insolência do russo que se foi sentar num dos bancos do jardim a despejar um pacote de vinho pôs-se na conversa com os taxistas. Um fogareiro dos mais velhos, desabituado de ter a autoridade tão próxima sem ser para passar multas, ia comentando:
-- Olhem para isto, até tem limpeza ao domicilio de borla!!! Casa com jardim , vista para o Tejo, um policia a fazer segurança e três pretas para lhe limparem o jardim. Parece um ministro!!! É para isto é que eu ando a pagar impostos!!!
Solidário com a gargalhada geral dos taxistas e do bófia, o russo respondeu;
-- Eta maia datcha bled, eta maia datacha!!!
Como nem o policia nem os taxistas percebem russo continuaram com as gargalhadas de sarcasmo.
-- O russo traduziu: é minha casa de campo, pá, é minha casa de campo!!!!
Todos rimos.
Com esta ideia de casa de campo do mendigo eslavo segui para o meu trabalho deixando os taxistas mais o policia e as jardineiras a rirem ao sol...
À medida que a manhã foi aquecendo a gravata foi sufocando. À minha memória voltou várias vezes o russo bebado e sorridente. Com a subida da temperatura à hora de almoço, desenvolvi uma inveja furiosa do russo privilegiado que acorda para beber!!!
Com esta ideia politicamente incorrecta e com ganas de auto agressões hepáticas continuei a trabalhar o resto do mes para pagar ao banco a hipoteca da casa onde moro. Mas há uma vozinha dentro de mim que me manda correr para a casa de campo em frente à casa dos bicos. Sinto uma vontade persistente de ficar a embebedar-me com vinho ordinário. Despir a camisa e ir respondendo em russo aos sarcasmos dos policias e dos fogareiros e ficar deitado no banco de jardim a desfrutar do sol de Lisboa.
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