Era estas as instruções que acompanhavam o mosquete Pattern de 1853, P-53, da empresa inglesa Enfield cujo principal accionista era a Companhia das Indias.
A empresa Enfield,desenvolveu e criou o mosquete Patern especialmente para defender os interesses da Companhia nas vastas possessões do Oriente.
O mosquete foi vendido às carradas. Era fabricado para equipar as tropas estacionadas na Índia que protegiam os interesses dessa poderosíssima companhia contra as recorrentes rebeliões e levantamentos locais.
Na Índia colonial e estamos a falar do Grande Industão, que inclui a Índia, o Paquistão, o Afeganistão, o Bangladesh e uma parte da Birmânia, actual Mianmar, as lideranças locais estavam submetidos à autoridade da Companhia das Índias mas recorrentemente revoltavam-se.
Os ingleses, governavam indirectamente através desta empresa sem terem de sujar as luvinhas brancas da farda colonial.
Havia um contingente de cerca de 30 mil soldados ingleses na Índia que comandavam uns 300 mil soldados indianos, conhecidos como sipais, que quer dizer soldado, todos ao serviço da Companhia.
Com a chegada do novo modelo do mosquete Pattern, esperava-se uma melhoria da capacidade operacional das tropas ao serviço da companhia. Esta arma fora feita especialmente para poder ser usada em duas linhas de fogo e esperava-se que fosse particularmente eficaz a reprimir ataques de cavalaria, que eram a dor de cabeça dos ingleses, sobretudo nos planaltos do Afeganistão, no norte da India e no Paquistão.
Acontece que a realidade ultrapassa sempre todos os planos, por mais elaborados que sejam.
As instruções do mosquete moderníssimo de carregar pela boca, não falam no tema, mas os cartuchos de pólvora eram em papel vinham impermeabilizados.
Em vez de ser atribuída uma bolsa com pólvora que os sapais podia ir roubando, levando para casa a pólvora da companhia e misturar areia na pólvora que ficava na bolsa, o moderno mosquete P53, estava preparado para usar cartuchos individuais de pólvora. A utilização do cartuxo, não só permitia calcular a quantidade exacta de pólvora para cada disparo, como permitia um controlo rigoroso dos gastos.
A única dificuldade era a impermeabilização dos cartuchos. Sobretudo na época da moção. Como em 1853 não se usavam plástico, os fabricantes recorriam ao papel e a um método de impermeabilização utilizando cera de abelha para garantir que a pólvora se mantinha seca. Era a solução tecnológica possível.
Mas a cera de abelha era um produto relativamente caro, então, um senhor da Companhia das Índias, um manga de alpaca com visão para o negócio, procurou uma solução mais barata.
Estudou o problema reuniu com uma serie de peritos e apresentou uma solução imediatamente aceite pelos administradores da companhia: resolveram impermeabilizar os cartuchos do novo mosquete com uma mistura de sebo de vaca e banha de porco.
Os accionistas da companhia das Índias acharam que aquele senhor que substituiu a cera por sebo e banha, estava a fazer um excelente trabalho e os estava a fazer um bocadinho mais ricos...
Claro que a Enfield, que a Companhia das Índias, e que a própria Rainha Vitória não faziam ideia do impacto do sebo e da banha. Não imaginaram que esta solução ia matar muitos mais do que as balas dos modernos mosquetes....
Os sipais, aquelas centenas de milhares que defendiam os interesses da Companhia das Índias contra os interesses da Índia, estavam dispostos a matar os outros os seus irmãos, primos e vizinhos por meia dúzia de xelins que os ingleses pagavam de soldo e por um prato de lentilhas de caril que lhes davam para comer... Mas quando perceberam que para fazer o seu trabalho de sipais era preciso por na boca banha de porco ou sebo de vaca, a coisa deu para o torto.
Matar outros indianos tudo bem, comer vaca ou porco é que não!
Nem os muçulmanos, nem os hindus estavam dispostos a combater com a boca conspurcada.
A revolta estourou violenta em várias frentes.
Foram precisos vir reforços de Inglaterra, da Escócia e da Irlanda.
Morreram mais de cinco mil britânicos, incluindo famílias inteiras.
Foram executados para cima de cinquenta mil indianos.
O domínio da Companhia das Índias acabou.
A Rainha Vitória tornou-se Imperatriz da Índia e o governo britânico passou a governar directamente.
Foi aprovada uma lei de tolerância religiosa que permitia aos hindus, muçulmanos e católicos liberdade de culto e garantia o respeito pela pratica cultural.
Foram admitidos, pela primeira vez, indianos nos serviços públicos na índia.
A um nível mais subjectivo, esta revolta dos sipais, deu origem ao sentimento nacionalista indiano que foi mais tarde escrito pelo Tagore e concretizado pelo Gandhi.
A ideia de poupança do manga-de-alpaca sobre a impermeabilização dos cartuchos de pólvora teve de facto um grande impacto. Nem ele, com toda a sua ambição de contador de moedas conseguiu algumas vez vislumbrar a dimensão das consequências daquela medida de poupança que propôs à administração da Companhia.
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Nos dias que correm, à nossa volta, podemos assistir a mesma lógica nalgumas decisões que poupam dinheiro nos orçamentos... sem ter a mínima noção dos impactos das suas poupanças.
Não precisam que vos mostre, pois não?
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