Era uma vez um homem rico. Um agricultor alfabetizado. Proprietário rural progressista no seu liberalismo económico e nalgumas opções politicas. Gostava de maquinas e modernizou a agricultura nas suas quintas.
Teve três filhos. O Chico, o Zé e a Clementina.
O Chico morreu novo num dos primeiros acidentes de viação.
O Zé era um rapaz inteligente, interessado pela politica e cultura, foi dos primeiros fotógrafos em portugal.
A irmã a Clementina, também superiormente inteligente.
Menina Tina como todos lhe chamavam, era linda, rebelde e romântica. No final da adolescência, apaixonou-se por um trabalhador rural, um campino.
Porque tinha vontade própria e era indomável como os mais belos potros, recusou o casamento arranjado pelo pai, com um primo que também era rico.
Viveu o seu romance ardente com o trabalhador rural. Ofereceu-lhe um anel de ouro com as iniciais de ambos. Ele ofereceu-lhe a ela noites inesquecíveis e amor sobre o luar da lezíria.
O pai do Zé e da Clementina, O Senhor Carlos, fartou-se do romance.
Pegou no filho Zé e em dois capangas lá da herdade e foram ter com o rapaz ao campo. Amarraram-no de mãos e pés, bateram-lhe. Bateram-lhe muito, mas não tiveram a decência de o matar. Emparedaram o moço vivo entre as paredes interiores de um armazém numa propriedade afastada do centro da vila.
A Tina ficou desvairada, veio para Lisboa e por cá ficou à procura do amor desaparecido e consumido pela autoridade patriarcal. Procurou sempre e enlouqueceu à procura.
O Zé, fez-se republicano. Tinha fama de quase democrata. Até lhe calhou, porque o Eusébio do partido republicano estar afónico de tantos discursos, ser dele a voz que marcou o golo da declaração da republica.
Dedicou-se à politica, e depois à diplomacia.
A Tina acabou por morrer prematuramente. Os últimos anos de vida passou-os na mendicidade em Lisboa.
O Zé não voltou a procurar a irmã nem sequer para lhe dar a parte dela da herança do pai de ambos. Construiu um palácio para viver e teve um filho pianista, que por ser homossexual se suicidou quando o pai o quis obrigar a casar.
Quando se fizeram as obras para a construção do tribunal da vila, numa antiga propriedade da família, mais de meio século depois do assassinato, encontram o esqueleto do campino com o anel de amor e morte ainda nos ossos do que foi a mão.
O Zé ficou na historia como um herói desta nação valente e imortal. Mesmo com as patinhas delicadas manchadas de sangue do campino que quis um dia ser seu cunhado... a memoria do Zé continua tão imaculada como a declaração da Republica que proclamou.
Quando se escarafuncha na crosta, às vezes, por de baixo sai o pus.
Sem comentários:
Enviar um comentário