Aconteceu-me uma vez entrar na selva à noite. Fui depois de um dia de chuva. Na zona da fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Estava alojado numa espécie de quinta. Um terreno agrícola roubado à mata virgem. Depois da cerca, o imenso verde. O universo colossal e frondoso das árvores gigantes da altura de prédios de muitos andares.
Durante a manha tinha percorrido meia-dúzia de metros de um trilho que dava entrada na selva. Nessa dia parou de chover ao por do sol. Aquele por do Sol rápido e quase instantâneo dos trópicos. Lembro-me que jantei, depois bebi um trago de aguardente misturada no chá. A minha companheira foi-se deitar e eu fiquei sem sono.
Ali a ouvir as rãs, os insectos, os píos e os gritos das criaturas da noite. Fez-se tarde e eu sem vontade de dormir. Terá sido por curiosidade ou outro qualquer perverso instinto de procura, ou vertigem; nem sei eu sei porquê, mas fui. Meti-me pelo trilho que percorri durante o dia.
O caminho até à selva pareceu-me muito mais comprido. Estava uma noite clara de quarto minguante como a de hoje e eu levava uma lanterna apagada, daquelas que se põem na cabeça. Tinha as mãos nos bolsos e botas calçadas. Os pássaros da noite a piarem e os insectos a zumbir. Quando passei a vedação da quinta e entrei na mata. E deixei de ver. O preto escuro profundo. Escuridão total. Acendi a lanterna e imediatamente todos os bichos se calaram.
Continuei a andar. Mas já não ia sozinho.
Caminhava com o medo. Um medo infundado e idiota do que podia estar. O medo intenso do silencio escuro que me envolveu para lá do circulo da luz branca do led.
O medo entrou-me entre a camisola fina de algodão e o corta-vento impermeável e colou-se-me às costas e ao peito. Continuei mais uns cinco minutos pelo momentâneo túnel de luz que lanterna na cabeça fazia à minha frente. Depois parei.
Sentei-me num tronco apodrecido, acendi um cigarro e apaguei a lanterna.
Com a nicotina a circular tentei desmontar o medo. Medo de que? Do escuro? Do silencio? Do desconhecido?
À minha volta os bichos da selva calada, recusaram responder.
Apaguei o cigarro na sola da bota, guardei a beata na algibeira, contei ate cem para provar nem eu sei o quê a mim mesmo. Depois acendi a lanterna e voltei.
Ao aproximar-me da casa, as rãs e os insectos retomaram o canto e o medo dissipou-se.
Senti-me estúpido e fiquei sentado ao relento a pensar. Percebi que era o silencio que me assustava.
O silencio é o pai do medo.
Mais, muito mais que o escuro.
Inventou-se a musica para combater o medo.
Aprendi isso nessa noite.
Passaram uns anos valentes. Mas nestes dias atípicos que todos vivemos, às vezes, à noite, oiço o medo.
Quando toda a cidade se recolhe nas casas fechadas.
Quando a noite fica vazia de sons. Só o zumbido do frigorífico a acompanhar a madrugada.
Vejo os meus amigos a publicarem piadas nas redes sociais. E trocamos anedotas. E aparecem passatempos. E trocamos receitas. E partilhamos erotismo e pornografia. E tocamos canções uns para os outros. E dizemos parvoíces.
E fazemos bem.
É tudo o barulho para espantar o medo.
São mamas, cús, pilas e receitas de bolos e assados. Tudo para enxotar o medo.
Para afugentar este cabrão deste medo que chega no silencio da noite e fica até começarem a circular os primeiros carros que nos trazem o sono.
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