quarta-feira, 24 de junho de 2020

Baquaqua a andar por aí

Baquaqua nasceu em Borgoo no Benin por volta de 1820. Nasceu livre como devem nascer todas as crianças. Com vinte anos foi raptado por mercenários ao serviço de um comerciante de Viana do Castelo que vivia em Uidá, também no Benim, junto à fortaleza de São João Baptista de Ajudá. Recordo que o Marques de Pombal tinha feito uma lei abolindo a escravatura em 1761, oitenta anos antes.

A lei criada em Lisboa, não impediu que Baquaqua fosse escravizado em Uidá por esse esclavagista minhoto e posteriormente vendido para o Brasil. Tudo com a conivência participação e protecção das entidades oficiais portuguesas. Viajou raptado dentro de um navio negreiro que saiu de uma fortaleza militar portuguesa em 1844.

Mahommah Baquaqua era já bilíngue quando foi raptado, falava e escrevia em árabe e ajami, a sua língua materna. Aprendeu português da pior maneira com os seus raptores. 

No Brasil, esteve em Pernambuco, onde ele foi comprado por um padeiro português. O padeiro usou a sua mão de obra escrava para construir uma padaria e fornos de pedra. Baquaqua tentou fugir duas vezes, foi capturado pela policia militar de Pernambuco, torturado pela policia, foi depois entregue ao padeiro que também o torturou. Recuperado fisicamente das torturas, tentou o suicídio. O padeiro fez as continhas, avaliou o potencial prejuízo pela morte do homem que escravizava e decidiu vender o Mahommah Baquaqua. Calhou-lhe como dono um capitão de um barco que fez dele marinheiro sem salário a trabalhar por restos de comida e água estagnada.

Farto de maus-tratos e espancamentos, Baquaqua teve oportunidade de fugir em Nova York depois de descarregar um navio de café, por volta de 1849. Aproveitou e desapareceu nas docas.

Nos Estado Unidos, sem documentos mas também sem dono a reclamar a sua propriedade, consegue embarcar para o Haiti. Alguém lhe disseram que era um país novo criado por homens como ele que tinham sido escravizados. Em Port au Prince, aprendeu a falar e escrever em francês para alem do criolo haitiano. Do Haiti seguiu para o Canadá onde alem de melhorar o seu francês, teve oportunidade de estudar inglês e história. No Canadá trabalhou com o editor o editor Samuel Moore, que o incentivou a escrever.

Voltou a Nova York em 1854, desta vez com documentos canadianos, onde publicou um livro autobiográfico sobre a sua condição de escravo: “An Interesting Narrative - Biography of Mahommah G. Baquaqua”

Cinco anos depois, por volta de 1860, viajou para a Inglaterra na esperança de voltar ao Benin. O último registo histórico sobre Mahommah G. Baquaqua é de 1857, numa carta escrita em Inglaterra para o seu amigo e editor no Canada, Samuel Moore. Baquaqua explica que a luta pela liberdade e justiça não se resumia à luta legalista pelo fim da escravatura, havia muito mais a fazer.

Desde esse ano de 1857, até hoje que não se sabe por onde anda o Baquaqua. Eu cá, acho que o gajo anda por aí... porque ainda há muito por fazer!


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