Foi há quatro anos. Tinha ele dezasseis anos, gostava de computadores de futebol e sonhava tirar a carta. Ficou sozinho com o pai naquele Algarve bipolar que balança entre a euforia do Verão e a depressão sinistra do Inverno.
O miúdo recompôs-se aos poucos. Família amigos e vizinhos solidários na dor. O pai meteu um processo em tribunal contra o bêbado que lhe matou a mulher e lhe deixou o filho órfão. Eu para mim não quero nada, é para o meu rapaz.
O rapaz continuou a gostar de computadores.
Tirou a carta e empregou-se nos hambúrgueres para comprar o carro. Comprou um carro e chegou a chefe de turno.
No tribunal o processo do atropelamento da mãe arrastava-se.
Foi lá no trabalho dos hambúrgueres que o rapaz conheceu a conheceu. Ela era segurança e também gostava de carros. Sabia jujitso e também sabia de maquinas e sistemas operativos. O pai dela é da guarda e ela tinha sempre um ar durão que dava pica ao rapaz. Saiam muitas vezes tarde no final do turno.
Envolvem-se e enrolam-se na cama do banco de trás do carro. Ele fala-lhe no processo e na indemnização que está à espera. Ela fala-lhe dos conflitos que tinha com o pai e de que estava a pensar ir viver com uma amiga.
A amiga dela é enfermeira em Lagos. Vive sozinha e o ar duro e a farda da segurança também lhe dão tesão e desejo.
As duas passaram a viver juntas.
O rapaz mudou de trabalho para uma empresa de informática.
Encontrava-se com ela só às vezes.
Ela contou-lhe a ele sobre a amiga com quem vivia.
E que ninguém podia saber que se encontravam.
Ele concordou.
Disse-lhe não queria assumir nenhuma relação. Que estava bem assim e que estava só à espera de receber o dinheiro do tribunal. Disse-lhe que estava quase.
Em casa delas a tempestade das discussões começou por causa das mensagens. A da segurança disse que não era nada, que eram só amigos. A enfermeira confrontou-a com as mensagens apaixonadas e tórridas e fotografias sem roupa. Chamou-lhe puta, vaca, que não podia ver um gajo e que não prestava. Que vivia com ela, mas estava apaixonada pelo rapaz dos computadores.
A companheira negou. Que não. Que era um negocio. Que estava a lutar por ambas. Que estava a arranjar maneira de irem de férias. Que era só para lhe sacar o dinheiro.
Contou-lhe da indemnização do rapaz. Chorou e gritou amor por ela e nojo e asco ao rapaz.
Lavou-lhe as mãos com lágrimas e secou-lhes as mãos, olhos e boca com beijos. Jurou-lhe amor eterno e fidelidade como só as mulheres em amores proibidos sabem jurar.
Fizeram as pazes.
Em Fevereiro no dia dos namorados jantaram as duas um jantar romântico.
Na semana seguinte, a segurança voltou a encontrar-se com o rapaz.
Desta vez a enfermeira já sabia.
Desenharam um plano. Iam atraí-lo a casa delas e depois sacavam-lhe os códigos e transferiam o dinheiro.
O tribunal e o banco a atrasarem o plano e o guito.
A segurança sugeriu e prometeu ao rapaz um encontro a três.
Se por uma mulher, muitos homens perdem a cabeça, por duas um rapaz perde a cabeça, os braços, as pernas, o corpo e até o dedo que dá para desbloquear o telemóvel.
Março chegou e finalmente o banco fez a transferência.
Na pressão dos turnos da enfermeira, dos horários da segurança e nos desafios do tele-trabalho urgente para o jovem técnico de informática, não foi fácil marcarem um encontro.
Aconteceu finalmente. A noite fatal.
Estavam os três nervosos.
Na casa delas, a da segurança fez a manobra de estrangulamento que tantas vezes tinha ensaiado. Ele desmaiou.
Ataram-no a uma cadeira e a enfermeira reanimou-o. Até aqui tudo como planeado por ambas.
Ele percebeu que aquilo que o esperava não era aquilo que tinha imaginado.
Elas pediram-lhe os códigos. Ele disse que não dava.
A da segurança voltou a fazer o estrangulamento.
Agora durante mais um bocado, para ele ver que elas não estavam a brincar.
Estavam a sério e o rapaz morreu.
Confrontada com o óbito, a enfermeira cortou o dedo da mão direita do rapaz morto para com as impressões do indicador desbloquear o telemóvel.
Desbloquearam e tentaram transferência.
O rapaz morto na sala não ajudava a acalmar as coisas.
E agora?
Agora não podem encontrar o corpo.
De qualquer maneira é demasiado pesado para o transportarem inteiro para dentro do carro.
Cortaram aos bocados e puseram em sacos do lixo. Depois foram semear o rapaz. De Lagos a Vila Real de Santo António. Pés, pernas, braços mãos, torço e cabeça.
No outro dia voltaram as duas aos seus trabalhos. Era preciso não dar nas vistas.
Nessa noite bateram-se palmas aos profissionais de saúde. A da segurança aplaudiu a companheira enfermeira. A enfermeira chorou descontroladamente, da emoção do momento, comentou quem assistiu.
Na manhã seguinte, um casal de turistas transviados no Pego do Inferno, encontrou a cabeça que cães vadios tiraram de dentro do saco. O rapaz ainda a olhar espantado para o que lhe tinha acontecido.
O corpo sem pernas apareceu nas rochas de Lagos.
Três dias depois foram as duas apanhas pela judiciária. Coisas de amadoras disseram os entendidos.
O povo em choque, no primeiro dia dizia que era coisa de brasileiros ou romenos. Ou chineses.
Sem duvidas de estrangeiros diziam. Estavam enganados.
Agora com o casal detido, calaram-se as vozes contra os estrangeiros e o espanto tomou conta do barrocal.
Pobres dos três.
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