domingo, 22 de setembro de 2019
Perfumado
O Jairo calou se e engoliu o insulto.
O patrão vinha mal disposto. Patrão não, colega e amigo, como ele próprio diz. Aqui a trabalhar ao vosso lado mas com a responsabilidade de vos pagar as férias e a segurança social e pagar aos fornecedores...e a mim? E a mim, quem é que paga? A mim ninguem paga! Sou eu quem vos pago o salário e vos encho o cu de todo, do bom e do melhor e vocês? Uns chulos. Mantanas! Não querem fazer a ponta de um corno.
O aprendiz, mesmo não sendo sua competência, pegou na vassoura e pôs-se a varrer a oficina evitando juntar muito lixo para não desfazer no trabalho da senhora que faz a limpeza e os almoços.
E estou-me a cagar se não gostam de me ouvirem falar. A porta da rua é serventia da casa. Esta empresa é minha. Fui eu que fiz esta casa. É a mim que os clientes pagam ou ficam a dever.
Eu é que sou esta empresa. Eu.
Os braços abertos à espera de aclamação pelo sucesso acumulado na conta bancária.
O silêncio dos empregados confirmava a seriedade do momento.
A rapariga que no gabinete com ar condicionado, ia dizendo claro e que sim. A moça que já nao é tão moça, faz a escrita, organiza as faturas, mexe no computador a pedir pecas aos fornecedores, telefona para os clientes a dizer que os carros estão prontos e como se tudo isto não bastasse, acumula com a função de animar a oficina com o abanar do generoso e proeminente rabo, alegrando a vista ao patrao e aos clientes especiais. Os empregados e fornecedores não podem olhar que é falta de respeito.
Quando o patrão vem maldisposto de casa e decide ensinar sociologia e economia laboral aos trabalhadores, é ela quem tem o trabalho de verbalizar a concordancia com as verdades que o empresário propaga.
Foi ela quem o acalmou e evitou o chelique total quando vieram com a ideia do subsidio de refeição. Para fazerem exigências estão sempre prontos!
Foi ela quem pôs o patrão a falar com o contabilista e na semana seguinte a arrecadação onde guardavam os peneus estava teansformada em copa e refeitório onde a senhora da limpeza por mais uma hora cozinha o almoço para os empregados com as mercearias e os restos que o patrão traz de casa. Tudo de bom e do melhor, para vos encher essas peidas gulosas!
Hoje como é dia de pagar o iva, ja se adivinhava e esperava o ataque. Temporario, certo, mas intenso e explosivo.
Ando aqui a esfalfar-me a trabalhar para me roubarem. Todos a querer sacar dinheiro. É os salários que vos pago, os almoços as férias e três em três meses vem o estado dar-me mais uma facada!
La para trás enquanto lubrificava o torno, o Pereira, o mecanico mais velho da oficina, sussurrava para o Jairo que nos seus dezasseis anos e acabado de entrar para aprendiz se foi aproximando enquanto varria.
-- Então faz lá as contas: ganhas três euro à hora, o gajo cobra aos clientes 35 euros à hora pela mão de obra que és tu que fazes.. Digamos que cinco euros são para despesas...Agora diz-me tu, para onde é que vao os outros vinte sete euros?
O rapaz, que era miúdo, mas não era parvo, ia dizendo:
-- Para o porshe, para o landrouver, para a casa de verão, para a coutada de caça, as compras da patroa, para as viagens com a amante, para a agua de colónia com que se perfuma..
-- E quem é que produz esses vinte sete euros?
Continuava o Pereira...
Nisto, o patrão, numa pausa do discurso, ouviu "vinte sete euros".
Vinte sete euros do quê? Que vinte sete euros? Tenho de pagar mais, é?
--Não é nada de importante senhor Rosa... É que a minha mulher viu a venda um daqueles perfumes de casa de banho que custava vinte sete euros...Veja lá, vinte sete euros é muito dinheiro...eu estava a dizer que um cagalhao perfumado, mesmo com um perfume de vinte sete euros, pode até cheirar bem, mas não deixa de ser um cagalhao...
Fez-se silencio.
E o silencio foi quebrado pela gargalhada do patrão que riu boçal.
Tinha-lhe passado a fúria.
Os empregados tambem riram.
O Jairo e o Pereira continuaram a trabalhar, a falar baixinho e a fazer contas.
Á espera do momento de rir no fim.
Que já se sabe que é quando se ri melhor.
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