segunda-feira, 30 de setembro de 2019
Tavira 1846
Acabou-se com a pena de morte em Portugal porque a forca deixou de ser eficaz para partir os pescocos dos condenados. Vinham na sua maioria a baixo do peso.
Com a fome generalizada do pós guerra civil que acabou em 1834, foram muitas as familias desfeitas e a criminilidade alastrou pelos campos e cidades. Crimidalidade violenta, porque eram tempos violentos.
Acossados pela fome, bandos de ex-soldados e as suas familias desfeitas, deambulavam pelos campos e periferias, feitos zumbies.
O Domingos, era filho de uma prostituta juvenil que morreu quando ele tinha doze anos e o deixou só pelas ruas sujas da zona do Porto de Olhão.
Nunca conheceu o pai.
Cresceu franzino entre a fome, o peixe roubado no porto e as sopas de couves da prisão.
Com vinte anos, vivia de roubar na estrada que mais tarde seria a 125.
Uma noite entrou numa casa, na Luz de Tavira para roubar. A dona da casa, uma velhota que tinha umas pratas, estava acordada e não colaborou. O Domingos bateu-lhe e a senhora morreu. O neto da velha, ouviu barulho e o Domingos tambem lhe bateu até o matar. Tinha doze anos o garoto assassinado. Cauteloso, o Domingos fez uma busca à casa e encontrou a criada escondida. O assassino já conhecia a prisão e não quis deixar testemunhas: estrangulou a rapariga de dezoito anos.
Na semana seguinte, foi vender um relógio e umas rendas que roubou na casa da Luz de Tavira. Foi a um recepatdor de Olhão que o denunciou à polícia pelas rendas e escondeu o relógio.
O Domingos foi julgado em Tavira.O juiz fez o que todos exigiram: condenou o ladrão e assassino à pena maxima. Morte por enforcamento.
No dia 24 de Novembro de 1845, pela manhã levaram o Domingos para o cadafalso. A execução era um acto público. O carrasco mandou-o subir para a plataforma. Pôs-lhe a corda ao pescoço e empurrou.
Ao contrário do que faziam os seus colegas mais experientes, não se sentou nas cavalitas do enforcado para acelerar o processo. Nem sequer se pendurou no corpo para fazer peso. Na realidade, o Domingos estava sujo e tinha piolhos. Além disso, nos enforcamentos, o enforcado antes de morrer, suja-se urinando, evacuando e ejacuando. O carrasco cumpriu a lei e seguiu à risca os procedimentos. Fez, testou, ajustou e apertou o nó no pescoço do Domingos, empurrou e deixou a gravidade fazer o resto. Mas os vinte e dois anos de fome do Domingos não lhe davam peso para lhe partir o pescoço.
O Domingos ficou a balançar com convulsões durante mais de um quarto de hora. Do seu corpo sairam os líquidos os sólidos e os sons proprios da morte. O padre benzia-se, o juiz dizia que não em silencio e os expectadores impressionados sussurravam.
Ao fim de um quarto de hora o médico mandou descer o enforcado para declarar o óbito. No chão do largo, o enforcado devagar foi retomando a respiração. O director da prisão chamou o carrasco, e deu-lhe uma descompostura. Mandou-o acabar o trabalho.
O funcionário público que tinha como função matar, pegou na pistola e disparou na cabeça, pondo fim ao espectaculo.
Mas a coisa nao ficou por aí.
A coisa foi divulgada nos jornais da época e chegou à constituinte.
Escreveram-se rios de tinta.
O carrasco foi julgado e passou uns meses preso por ter usado uma pistola, contra aquilo que determinava a lei.
Aos deputados, modernos, exigia-se ou novos métodos de execução ou uma politica alimentar pública que acabasse com a fome endêmica. Depois de muito discutirem e pensarem, decidiram pelo fim da pena de morte.
Apartir dessa histórica data anuncia-se, ensina-se e propaganda-se que somos um país humanista.
Brandos costumes.
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