domingo, 30 de junho de 2019

Tinto com cuscus

São ambos holandeses. Ela filha de pais portugueses no papel e angolanos no coração. Ele filho de pais argelinos muçulmanos. Conheceram-se nos noventa no liceu em Roterdão. Namoraram e seguiram viagem. Ela por volta do dois mil foi para Londres fazer um curso de cozinha vegetariana. Ele acabado o liceu começou a trabalhar com o pai como técnico de frio. Não se viram durante vinte anos. Reencontraram-se no facebook. Ambos tinham trabalho, ambos sem filhos, ambos separados de fresco. Voltaram ao febril amor da adolescência via skype. Combinaram passar um fim de semana em Paris na primavera de 2016. Falavam um com outro em holandês mas amavam em português com sotaque angolano e árabe com sotaque argelino. Voltaram juntos para Roterdão onde ele tinha casa e decidiram continuar juntos. Ela depressa abriu uma empresa de catering vegan. Ela em casa não cozinhava e ele todos os dias fazia comida argelina adaptada ao gosto e às restrições alimentares dela. No verão vieram a Portugal passar férias a Corroios onde vive a família dela. Ele não bebia alcool. Ela usa saias curtas a mostrar as lindas pernas mulatas. Ele tem um irmão mais novo que passa os dias na mesquita a recitar o Corão. Ela tem primas da mesma idade deusas da kizomba do Ondeando. Ele provou vinho e tentou dançar. Ela apanhou o sol da fonte da telha e conheceu parentes de Benguela. Quando o verão de 17 acabou voltaram juntos para Roterdão. Ela levava uma gravidez a fazer-lhe inchar as mamas. Ele levava o gosto pelo tinto alentejano e uma vaga memoria de uns passos de dança. Em Roterdão ele encontrou um supermercado que vendia garrafas de vinho alentejano. Chegou rápido o outono ele continuou a beber. Trabalhador, responsável, e pontual, chegava a casa as cinco embebedava-se até as oito, comia a sopa que ela fazia com mais um copo de vinho e as nove ia para a cama ressonar e destilar o Borba. Ela perdeu o bebé na altura do natal. Ele bebeu para esquecer. Ela lixada, meteu-lhe os cornos com a vizinha do lado, uma alemão parecida com a Ikko Ono, nascida no Vietname. Ele continuou a beber. Ela mudou-se para casa da Iokko Ono. O irmão mais novo levou-o para a mesquita e ele deixou de beber. Ela e a namorada, juntaram uns cobres e vão abrir um restaurante vegan na costa. Ele continua a ser um excelente técnico de frio, bem pago e financia uma escola no Iemenn. Ela está bem, já quase que fala português sem sotaque e ri-se dos galantes avanços dos primos sobre a namorada. Ele sente a falta do cheiro do cabelo dela quando se deita às nove da noite. Ela sente a falta do cuscus com grão e sumo de laranja que ele fazia para ela. ... Que se foda o banco central europeu mais as suas politicas economias. Mas nunca em nenhum momento da historia foi possível amar em tantas línguas do mundo como nesta Europa que vivemos. ... Pra semana vou a Costa comer caril vegan com chucrute!