domingo, 26 de julho de 2020

Raça dos homens mortos


Um homem de quarenta anos, é assassinado numa esplanada. O homem que assassinou tem oitenta anos. 
O homem morto era um portugues negro. 
O assassino nasceu em 1940. A geração que cresceu no Portugal miseravel do mais repulsivo fascismo. A geração que aprendeu a ler numa escola onde se ensinava que o país ia do Minho a Timor. Aprendeu que foram os portugueses brancos como ele que civilizaram a Africa. Aprendeu que sem a seu (dele) "nobre povo" os africanos nunca conseguiriam ascender à posição de humanos completos.   
A geração de rapazolas estupidificados pela censura, pela pobreza e pelo vinho, militarizados e exportados como carne para canhão para fazer a Guerra Colonial. Esses miudos de vinte anos que sairam dos campos onde passavam fome e foram defender os intereses dos grandes grupos economicos instalados nas colónias, sustentaculos do decadente fascismo. A geraçao de idiotas que ainda não percebeu o que lhes aconteceu. 
A geraçao que morreu e matou indiscriminadamente. A geracao dos tipos que fizeram massacres que nunca ninguem julgou. A geracao das violacões colectivas a jovens mulheres e raparigas negras por mancebos brancos como batismo de Africa. 
A geracao de labregos assistiu de longe ao 25 de Abril com medo que os comunistas lhe ficassem com as terras. Essas terras que nunca valeram um pintelho onde deixam os pinhais arder e plantam eucaliptos. 
A geração que usou o S na fivela do cinto e caminhou cantando e rindo o dia da raça. E que recorda saudosa a gosma desses tempos. 
A geraçao que nao julgou os criminosos de guerra nem os torturadores do regime anterior e compensou a pobreza onde cresceu com o consumismo dos anos oitenta e noventa. 
A geraçao que aprendeu que as pessoas que nascem negras, nascem com direitos inferiores aqueles que nascem brancos. A geracao que aprendeu que a vida de uma pessoa que nasce negra vale menos do que a vida da pessoa que nasce branca. A geraçao que foi ensinada que com pessoas negras não se negoceia: usa-se o chicote, a G3 ou a 6.35 e devolvem-se as coisas aos seus devidos lugares. 
O assassino, antes de matar terá dito ao assassinado: vai para a tua terra. Depois matou o homem negro. 
O assassino nunca aprendeu que a Terra é só uma e de todos os homens. Que não sabe que só há duas raças: a raça dos homens vivos  e a raça dos homens mortos.. .e que essa é apenas uma questão de tempo, porque tarde ou mais cedo, seremos todos da mesma raça. 
O homem negro voltou para a Terra, a Terra que é a dele e de todos nós.  Pertence agora à raça dos homens mortos. 
O assasino continua a ser da raça dos homens vivos. 
Por enquanto está preso.
O racismo continua à solta entre a raça dos homens vivos. .

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