quinta-feira, 2 de maio de 2019

Solidão partilhada

A Vanda vive com o fantasma de uma velhinha. Moram as duas no setimo direito. Começou a ver a velhinha uns meses depois de se ter separado. Enquanto casada, a angustia das da ausencia do marido e os ciumes com que ardia, nao adeixavam ver mais nada. Depois do Paulo sair de casa, começou a ve-la. Passou a ter mais tempo para olhar por ela, para ela e para as coisas á volta. A velhinha apareceu numa noite de terça-feira, depois adormecer no sofa. A Vanda acordou sobressantalda e com frio, levantou-se e foi para a cama. Foi ai que lhe percebeu a silhueta recortada na porta da cozinha, parecia parada atrás de uma especie de mesa de ferro sem tampo. Não teve medo. Para dizer a verdade, nem pensou no assunto, caiu na cama e continuou a dormir e a sonhar com o ex-marido. Só na manhã a seguinte se deu conta que a velha não foi sonho.Viu-a. Ao final da tarde, nesse dia, a fazer o jantar na cozinha e a pensar na silhueta, ouviu os passos leves ponteados por uma especie de bengala e sentiu uma presença a atravessar a sala. Devo estar a ficar maluca. Estava. Afinal de contas, estamos todos. Nessa noite, a Vanda foi sentar-se a comer a sopa detox adelgacante que bimby cozinhou. Sentou-se no sofa da sala e fugiu ao mundo nos episodios sucessivos de policias fortes, lindos, inteligentes e americanos. O fantasma da velha pairou-lhe na mente mais uns dias. Umas semanas depois, dessa vez, bem acordada, num sabado de manha, enquato aspirava o chão da sala, viu-a bem. Inteirinha, nem esfumada nem nada. A imagem completa, refletida no espelho em frente à porta da rua. Era enrugada, magra e pequenina. Tinha o cabelo encaracolado branco e marcas nos braços de quem passou muito tempo a soro. Um vestido leve tipo bata clara com flores azuis e um andarilho de aluminio à frente. Viu-a por um instante. Mas viu bem. Curiosamente não se assustou. Continuou a aspirar. Depois comeu uma sandes de queijo fresco e foi tomar banho. À tarde contou à sua amiga Rita, que faz reiki e é assim meio espiritual. Caraças, pá miuda, temos de ver o que é isso e quem é essa velha!!! A Rita ficou entusiamada e marcaram logo uma “sessão energetica” para essa noite. Inclusive a Rita, até desmarcou um jantar que tinha com um mais-ou-menos namorado. Ligaram à Maria João, uma amiga da Rita que é mais graduada no Reiki e nos anos de solteira. Jantarm as tres frango assado e nem beberam o vinho verde que gostam porque a João, disse que o espirito podia ficar ofendido. Sentaram-se a volta da mesa da sala, acenderam umas velinhas redondas de por dentro de copos (eram as unicas que tinham), apagaram a telivião e deram as mãos à volta da mesa. A João presidia a cerimonia com uma voz profunda. –Espirito que aqui vives nesta casa, por favor apresenta-se aos teus irmãos vivos e da-nos um sinal. (Pausa) Espirito que aqui veves nesta casa, por favor apresenta-se aos teus irmãos vivos e da-nos um sinal. Nada.Nem vozes, nem corrente de ar, nem velas a apagar. Nada. Apenas um silencio frio e desconfortavel. A João voltou a repetir o apelo, um apelo sério...como aqueles dos carros mal estacionados nas caves dos hipermercados... mas em tom mais lento e pesado. E um esprito timido, as vezes acontece, sobretdo se são mulheres.... Na cozinha, um copo cometeu suicidio lancçando-se para o chao, do alto do escorredor onde estava deitado acabado de lavar e à espera de secar.. Um copo grande de agua com riscas amarelas. Vidro grosso. Gritaram as tres o susto. A João sorriu conhecedora e a Rita ficou arrepiada. A Vanda foi a correr acender as luzes e varer chão da cozinha. Acabou-se logo ali a sessão. Decidiram sair. Foram a um bar ouvir musica brasileira e beber umas caipirinhas que custaram os-olhos-da-cara-mas-um-dia-não-são-dias. A Vanda nessa noite acabou por ir dormir a casa da Rita que ficou impropria para conduzir. Depois da sessão e do copo a partir-se, a velhinha começou a aparecer mais vezes. Passou a ser uma presença quase la em casa. A vanda foi-se habituando ao perfume madeiras do oriente. Passaram-se meses desde que o copo caiu do escorredor. Uma tarde destas, cruzou-se com a João na rua. – Vanda, temos que fazer outra sessãozinha la em tua casa, mas desta vez, levo uma defumação, para expulsar o espirito... A vanda indignou-se! – Expulsar?? Nem pensar nisso, faz-me mais companhia que o meu ex e dá menos trabalho que um gato, não preciso de lhe andar a ver as mesagens do telemovel nem de lhe mudar a areia da caixa!!!!

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