domingo, 28 de junho de 2020

O banco do Carlos Paredes

Esta contou-me uma amiga e camarada com muitos mais anos de experiência de luta que eu. 
A minha amiga e camarada trabalhou mais de quarenta anos na industria seguradora e teve em todas as barricadas da luta politica e sindical desde o final dos anos sessenta até por volta de 2010 quando se reformou. 
Contou-me a minha amiga que no verão de 1975, o celebre Verão Quente, foi em tarefa a Braga para participar numa iniciativa do PCP. 
Por esses dias, no norte do país, mobilizados por padre salazarentos, os fascistas atacavam à bomba e acendiam fogueiras nos centros de trabalho do PCP. Nesse dia, cercaram o centro de trabalho do Partido em Braga e ameaçavam matar queimando todos os comunistas no interior do edificio. 
A tarefa da minha amiga consistia em acompanhar o camarada Carlos Paredes, esse mesmo, o Carlos Paredes,  o guitarrista.
Viajaram de noite, chegaram de manha cedo e foram para o Centro de Trabalho. 
À hora de almoço,  estava uma multidão enfurecida a atirar pedras contra as janelas. A PSP fechada na esquadra. As linhas telefonicas cortadas. 
Dentro do centro de trabalho avaliava-se a situaçao e contavam-de os braços enquanto se esperava que chegassem trabalhadores organizados do Porto e dos estaleiros navais de Viana do Castelo. 
Os militrares do COPCOM tinham sido chamados mas não se sabia a que horas chegavam, nem se chegavam. 
Lá dentro, o nervosismo crescia. Discutia-se sobre o que fazer  e como fazer. O medo e a coragem é sabido, dormem na mesma cama em total promiscuidade. Enquanto se reforçavam as janelas e se preparava a defesa, o camarada Carlos Paredes afinava a guitarra. A minha amiga diz que o camarada afinava a guitarra como se estivesse na sala da sua casa na  Damia. 
Na rua gritos de morte. O barulho aumentou e ouvia-se a chuva de pedras.  O responsavel pela segurança sugeriu a organizaçao de uma barricada interna. 
Foi nesse momento que o Camarada Carlos Paredes, guardou a guitarra dentro do estojo de madeira e pegou no banco alto de ferro e madeira onde tinha estado sentado e se posicinou em frente à porta. De pé, lado  a lado com os outros camaradas presentes,  armados com martelos e chaves de ferro. 
Subitamente o silêncio.
Alguem bateia com força na porta. 
Felizmente, à porta era a malta dos estaleiros navais de Viana do Castelo. Nas ruas de Braga, os valentes fascistas que ameaçavam queimar num acto de fé os comunistas, quando viram a ganga dos operarios dos estaleiros, decidiram voltar para as sacristias de onde sairam. 
O camarada Carlos Paredes, à tarde, antes do comicio, tocou o seu reportorio, como combinado. Acabada a tarefa, arrumou a guitarra no estojo de madeira e voltou para Lisboa onde, madrugada alta,  a minha amiga o deixou em casa. 
-- Paredes, hoje aquilo de manha esteve feio lá em Braga...mas tu ficaste com o banco na mão... Ias bater-lhes com o banco? 
-- Ó amiga, se eles entrassem não era para me ouvirem tocar...

Sem comentários:

Enviar um comentário