terça-feira, 30 de abril de 2019

A generosidade dos homens ricos

Os poucos homens ricos que conheci são generosos. Os que acumulam riqueza são quase todos miseráveis. Explico. Em outubro de 1999 quis ir a Tamarasset. Tinha 27 anos, um Renault clio e uma mochila cheia da ignorância necessária para fazer loucuras. Do Altoseixalinho até Marrocos foi um pulo. Atravessei o Atlas e com a ingenuidade dos loucos passei a linha que separa Marrocos da Argélia sem outro controlo alem de uma estrada onde o alcatrão desaparecia e o deserto de pedras. A meio da tarde parei para fazer chichi e dei boleia a um rapazito que não falava nenhuma lingua conhecida. Apenas apontava para leste. Seguimos umas horas. Ele a falar a lingua dele e eu a minha. Partilhamos cigarros, água e pêssegos. Quando a noite caiu continuamos a direito numa estrada e num cenário cada vez mais deserto. Seriam umas dez da noite fez-me simal para virar a esquerda. Cansado da monotonia obedeci. Andamos uns cinco minutos por uma estrada de terra e mandou-me encostar junto a uns casebres de pedra, mal iluminados no interior por candeiros a gaz. Era ali que morava com a familia. Entramos e a festa começou. Abraços e cumprimentos. E chá. Muito chá. Percebo que foram buscar um cabrito. Apareceram mais pessoas. Tamaras pão quente. Salada de tomate e queijo de cabra. Deviam ser umas duas da manhã na casa entrou um senhor vestido com um sobretudo por cima do pijama. Falava frances. Explicou-me que era professor e que o tinham ido chamar a casa e o tinham tirado da cama propositadamente para vir servir de tradutor. Disse que eu era o convidado de honra daquela familia e que para me homenagear tinham morto um cabrito. O pai do miudo a quem eu tinha dado boleia era referencia local por ter participado na guerra de independência e estava muito satisfeito com a chegada do filho mais novo. Nos dois dias e tres noites que fiquei com esta família conheci o verdadeiro significado da palavra hospitalidade. O professor passou o tempo todo comigo. Todos juntos convenceram-a desistir de ir a Tamarasset. O professor acompanhou-me de volta até Marrocos evitando o controlo alfandegário e os transtornos de viajar sem visto. Quando parei para por gasolina, percebi que já tinha o deposito cheio. Fiquei desconfortável com a situação mas o professor esclareceu: --- o pai do rapaz é rico. Tem muitas cabras e muitos filhos. Vivem na pobreza mas é um homem suficientemente rico para ser generoso com os amigos. Aprendi com o professor. Percebi o que significa ser um homem rico. Aqui na cidade onde vivo sei de um homem que tem várias padarias/pastelarias. Trabalham para ele algumas dezenas de senhoras. Paga o salario mínimo com contratos a três meses. Despede e volta a contratar a mesma trabalhadora que emprega nas diferentes pastelarias. Assim mantem a logica do subemprego e precaridade. Não deixa as trabalhadoras levar o pão que não se vende para casa e deita as sobras no lixo depois de regar tudo com lixívia. Tem carros grandes e duas casas apalaçadas. Tem a conta bancária obesa e todos os anos compra um apartamentos para férias. Os mais distraídos podem até pensar que é um homem rico, mas eu sei que este homem não passa de um completo miserável.

Sem comentários:

Enviar um comentário