terça-feira, 30 de abril de 2019
Mobuto
A tasca deve continuar sebosa e com serradura no chão. Já passaram mais de vinte anos.
Estava calor lá fora e na sombra fresca do interior sentei-me a beber cerveja e pensar na vida.
Um cota puxou da cadeira e sentou-se na minha mesa. Era um homem enorme e velho.
-- Tu sabe quem é o Mobuto Sese Seko? Eu conhece ele bem. Se queres que lhe conte a verdade mesmo, põe uma cerveja.
O velho continuava sério e calado debaixo do olhar do patrão, que em silencio dizia: “este-ja-enganou-outro”...
-- Eu não sou o Mobutu.. Mais sou o pai de todos os filhos do presidente Mobuto. (pausa e soluço cambaleado para a frente) comé que pode? Pode porque pode e é verdade. Eu vai lhe contar só.
Pedi mais duas cervejas:
-- Dá mais uma para mim e outra aqui para este mais-velho!!
A cerveja chegou à mesa e em silencio pegamos nas garrafas geladas. Quando olhei o velho pela primeira vez pareceu-me sujo e esfomeado. Estava errado... afinal o homem tinha era sede. Percebi isso pela forma como emborcou a média inteira num só golo.
Também eu emborquei a minha cerveja. Grogue do calor das duas da tarde apesar de já passarem das oito da noite, disparei:
--- Então tu és o soba Mobuto? muito prazer, eu sou o Patrice Lumumba disfarçado de branco e ali o cantanhó atrás do balcão é o Techombé disfarçado de taberneiro.
O cota indignou-se:
--- O quê?? Você não me acreditas? Pois podes acreditar mesmo. O pai dos filhos do presidente Mobuto é este mesmo pai do meus filhos que é eu mesmo na minha pessoa!!!
Perfilou-se e cresceu.
-- Feitinhos todo por mim Diamantino Proença da Purificação, nome de casa Giga. Filho quase preto de pai quase branco em mãe preta. Avô português merceeiro e mãe preta terceira esposa. Nascido em Lisala.
--Tu sabe onde é Lisala?
Eu não sabia onde era Lisala, por isso continuei calado.
-- É a terra mesmo do presidente Mobuto. Terra velha do Congo. Sou mais novo que o Mobotu sete anos e conheço ele desde que conheço eu.
Mandei vir mais duas. Apaziguado o mais-velho, continuou a falar.
-- Então?? Tu não sabe, mas eu vai lhe dizer: o Mobuto tem doença na força que levanta o pau de pilão. Falta força nele para cobrir mulher e por isso não pode faz filhos. É!
A pausa deu dramatismo à conversa e foi aproveitada para beber.
-- Ele com trinta anos já força quase nenhuma não tinha mesmo. Quando percebeu doença que tinha, o curandeiro disse nele que não tinha cura. É coisa de herança de antepassados que só termina quando o corpo morre. E disse nele que se Mobutu quiser filho vai ter procurar quem conhece que fode forte. Só assim podia para engravidar as esposa dele...
-- Como o Mobuto conhecia eu desde que nasci e sabe que eu desde canuquinho tem saúde e força muita para fudê mandou chamar eu. Eu foi lá no palácio e nós fez trabalho com o bruxo.
-- Eu vai dizer-te que tu és sério e não goza: eu e Mobuto fizemos segredo juramento com terra dos mortos e sangue de nós mais sangue de dois touro. Teve de jurar que não falava nem eu nem ele pra ninguém mesmo. Eu só fala porque ele quebrou juramento. Depois do trabalho do curandeiro fiquei viver no palácio dele. Tinha falta de mais nada.
-- E agora ficaste bêbado e sem tesão e o gajo pôs-te a andar... – cortou o taberneiro que era caboverdiano, tinha andado embarcado e quase que não acreditava em feitiços.
-- Negativo Camarada. Negativo. O Presidente Mobutu só rompeu o trato porque arranjou amante do Catanga com mamas assim de grandes e cheia de maldade dentro do peito. E também é bruxa e fez feitiço nele.
O silencio voltou a cair dentro do tasco. Na rua passavam camiões levantando poeira. Ficamos calados a ouvir as moscas a fritar na resistência azul durante uns segundos. Pedi mais duas.
-- Eu conta tudo porque presidente desfez a jura antes de eu! Eu sempre cobri as duas esposa e as três amantes dele com força mas sem abusar. Todos os anos enchia elas cinco com filhos feito por eu. Filho homem crescido tem 18 e mulher crescida tem 12. Não conta os que morreram pequeno nem os netos porque é muitos.
Então presidente Mobutu arranjou amante para fazer politica. Arranjou amante parente de falecido Tchombén e tambem queria que eu engravidasse ela para reforçar a aliança com os do Catanga. Só que a mulher que arranjaram para ele tinha doença dentro do barriga e criança que eu punha lá dentro não agarrava!!! Então presidente levou mulher nos curandeiro é nada. Levou nos médicos brancos e nada. Levou na magia da Nigéria e nada. Todos disseram-lhe o mesmo: que a doença é na barriga do mulher sem cura. Então eu disse nele: Querido presidente, meu mais velho, porque você não pega nessa mulher que barriga não cresce e faz desaparecer ela no tanque que ferve sem fogo? (É ácido pá! Desfaz tudo assim de repente a ferver)
O presidente não gostou que eu falasse no tanque do acido e mandou os segurança baterem em eu. E bateram mesmo. Bateram muito. Bateram tanto que já era desperdício. Como Giga não gosta de apanhar vim embora nesse dia e tenho andado sempre sempre só neste mundo.
O taberneiro, ja também ele interessado na conversa, perguntou:
-- Olhe lá Giga, depois o Mobutu não mandou dar-te caça e apanhar?
-- Não porque ele sabe que fica doente e morre se eu fica doente ou morre. Nós dois está ligado por magia muito forte. Magia da terra. Quando os segurança baterem neu Mobutu caiu na cama três dias que desconseguia de se mexer.
Estava na minha hora, pedi mais duas , meti uns trocos nas mãos do velho e saí para a rua, para o calor e para a minha vida.
Durante um tempo não me lembrei mais do pai dos filhos do Mobuto.
Semanas mais tarde, ao cair da noite, estava reunida uma multidão à porta da tasca do cabo-verdiano. Um camião parado e um corpo imóvel no chão. Assim deitado no chão ainda parecia maior. O motorista do camião disse que não teve hipóteses de parar. Os populares concordaram. O Giga ia completamente bêbado, diziam, nem sentiu a morte chegar.
Bebi uma na tasca, lamentei o cota e fui para casa sem pensar mais no assunto.
Na manhã seguinte, a RDP Africa anunciava que o Mobutu Sese Seko tinha morrido ao início da noite anterior.
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