segunda-feira, 29 de abril de 2019

A voragem

“A viagem torna-nos menos estúpidos”, disse o Rimbaud. Disse-o depois de ter passado a sua vida adulta, a deambular pelo mundo. Vá, por meio mundo. Para ser mais preciso, a frase é duma das últimas cartas que escreveu à irmã. Desde que nasceu até aos quinze anos, o Jean Arthur foi uma criança tímida. Depois, dos dezasseis aos dezanove foi poeta. Eventualmente o maior poeta que a humanidade pariu. Rimbaud escreveu poucos poemas. Mas os mais belos, profundos e subversivos poemas jamais escritos. Com a sua curta poesia, modificou profundamente a literatura ocidental. Na poesia há um antes de Rimbaud e um pós Rimbaud. Porque o gajo era mesmo bom... Mas ainda antes de fazer vinte anos deixou de escrever. Disse aos amigos que tinha ganho juízo. Decidiu deixar de ser poeta e enriquecer. Tornar-se homem de negócios, se fosse hoje chamavam empreendedor. De paris viajou para o Sul. Em Marselha apanhou um barco para Trípoli na Líbia. Depois foi para a Etiópia, perseguindo o seu sonho de se tornar um homem rico. Nos dezassete anos seguintes, não parou de vaguear. Foi mineiro, traficante de armas, soldado, condutor de carroças, professor e taberneiro. Comprou e vendeu mercadorias, atravessou montanhas, desertos e pântanos. Dormiu em todas as camas e na beira de todas as estradas. Apanhou todas as doenças e sobreviveu às feras bichos e às feras humanas que sabemos bem que são muito mais perigosas. Mas ninguém passa pela vida impune. Em 1891, o Rimbaud estava um farrapo. Evitando o vernáculo, mas falando objectivamente, o Jean Arthur, aos trinta e sete anos, estava em termos de saúde física e mental, completa, absoluta e irreversívelmente fornicado. Vomitava quase tudo o que comia. Como as águas eram impróprias bebia os vinhos e as bebidas fermentadas que arranjava. Porque era nervoso encharcava a cabeça em ópio. Estava em permanente cólica e brutal caganeira. O primeiro médico francês que o viu, escreveu no relatório, que o doente sofria de graves problemas nos intestinos causados pela alimentação deficitária. É assim que os médicos dizem as coisas... O hábito de carregar permanentemente consigo, vinte e quatro horas por dia, todos os dias um cinturão com três quilos de ouro, que de resto era toda a sua fortuna, a apertar o ventre inchado também não o ajudou. Estava no Sudão, quando deixou de conseguir andar. A ferida aberta na perna não sarava. As dores eram muitas e nem permanentemente pedrado conseguia aguentar. Finalmente percebeu que a coisa era grave. Fez-se transportar de maca, mais de três mil quilómetros para Norte. Até mediterrâneo no Egito. No Egito, devido à gravidade do seu estado e totalmente contra a sua vontade, os médicos sugerem a viagem para França. Em 20 de Maio de 1891 dá entrada no Hôpital de la Conception, em Marselha. A 25 de Maio é-lhe amputada a perna direita. Menos de um mês depois, 23 de Julho, apoiado em duas muletas, Rimbaud deixa o Hospital e apanha, sózinho, o combóio para La Roche. Quer voltar para África o mais depressa possível. Fica à espera de navio, mas três semanas depois, vai abaixo novamente. É obrigado a voltar para Marselha. A 10 de Novembro de 1891, às dez horas da manhã, Jean Arthur Rimbaud morre em Marselha, depois de várias semanas em semi-coma. A 9 de Novembro de 1891, na véspera da sua morte, Rimbaud escreveu a sua última carta As derradeiras palavras desse gênio da poesia foram dirigidas ao Director dos Transportes Marítimos de Marselha. Queria voltar imediatamente. "Dizei-me pois, a que horas devo ser transportado para bordo." Minutos depois voltou a entrar em coma e no dia seguinte estava morto. É tudo. Podem voltar para as vossas vidas.

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