terça-feira, 30 de abril de 2019
Belenense Académica
Quando o belenenses foi jogar contra o académica em 1955, um grupo de jovens de rapazes do Altoseixalinho, foi de excursão ver o clube de Belém a Coimbra. O Belenenses estava a um ponto de ganhar o campeonato...
A camionete, alugada, saiu das portas da drogaria do Careca as quatro e meia da manha. Cinco horas e meia de estradas, passado o Porto-Alto, Vila Franca e Alenquer. Paragem para aliviar as bexigas do branco que as oito da manha acompanhou os pasteis de bacalhau. Mais curvas e serra, mais a Batalha, a Venda das Raparigas, Leiria e Pombal. Mais branco e carapaus fritos. À vista do Mosteiro de Santa Clara, abriu-se uma garrafa de moscatel de Setúbal, porque aquele final de Abril ia quente e a sede aperta quando se anda na estrada.
Chegaram a Coimbra as dez e meia da manha.
Era domingo. O comercio todo fechado e as ruas quase vazia a excepção de grupos de pessoas que saiam das missas...
Os cinco amigos procuram uma tasca para matar a sede e dois deles pretendiam, usufruir de serviços de trabalhadores do sexo. Um dos rapazes vinha desde o Porto Alto a fazer referencias aos encantos da casa de uma espanhola na rua direita que tinha as melhores catraias do país. As mãos enormes de artífice-torneiro-mecânico, desenhavam no ar formas tão nítidas que quase se sentia o perfume das raparigas no ar saturado da camionete.
Como as tascas estão na generalidade fechadas, decidem por unanimidade rumar à Rua Direita. No numero 9, terceiro andar, a casa da Dona Conchita, espanhola gasta e refugiada da guerra e que se fixou em Coimbra para fazer de amar negocio e vida. O prédio de escadaria ingreme e apertada ia acordando depois de uma noite de sábado. Crianças e gatos desceram a escada enquanto os cinco magníficos do barreiro subiam.
Bateram. Do outro lado da porta passos arrastados.
Um postigo abriu-se e uma senhora quase menina com sotaque do porto e dentes podres, explicou que a Dona Conchita não atendia ao domingo, tinha dado folga a todas as meninas e que estava a descansar...
Valentes rapazes, animados pela viagem e eufóricos pelo possível Titulo do Belenenses, não iam desistir por causa de uma desculpa tão esfarrapada.
O tal que já conhecia a casa e que tão bem tinha descrito o belo par de mamas da patroa, chegou-se a frente e esclareceu:
-- Não somos clientes, sou eu que sou amigo, e trago aqui um moço que é parente da Senhorita Conchita que lhe quer dar um recado de um tio que acabou de falecer.
Todos se calaram espantados perante a historia do tio que cheirava a herança.
Os passos arrastados afastaram-se e passado uns minutos a porta abriu-se e a criada mandou-os entrar para a sala de espera...
-- A Dona Conchita está a despachar-se, os cabalheiros que facem os fabor de esperar um momentito.
O momentito tardou e a garrafa de anis em cima do tocador abriu-se e deram-se os primeiros golos diretamente do gargalo. Dentro da garrafa, um ramo pairava com cristais de açúcar agarrados...
A Dona Conchita tardava
Um dos rapazes mais afoitos abriu a porta da cozinha e dentro de um tacho em cima da pequena bancada de mármore encontrou o tacho. Era arroz de coelho...
-- É rapazes, temos aqui arroz de coelho, enquanto a Conchita desinfecta a concha, comemos qualquer-coisa....
Mesmo os dois mais urgentes de mulher concordaram que seria melhor meter qualquer coisa para ensopar o anis.
Trouxeram o arroz para a sala e directamente do tacho remecheram nos ossos do coelho e na carninha agarrada, entenda-se!
A Dona Conchita chegou flutuando numa combinação azul clara que lhe tapava as costas de estivador mas que exibia os melões que em tempos foram famosos em Zaragoça. "Aqui donde las vêm, serviram com valentia toda la quinta brigada" apregoava as mamas quando alguém as cumprimentava.
Chegou com os melões à vela, as ventas reviradas pela invasão de campo, ofendida pelo desplante do tacho do arroz de coelho e magoada pela garrafa de anis vazio. Começaram os guinchos e insultos...
Mulher desagradável quando se zangava.
Veio a criada com os dentes podres saber o que era... Percebendo o chelique da patroa, recuou para uma linha mais resguardada e guinchando também ela, foi chamar reforços.
A Conchita, vendo que a claque do belenenses não recuava, abriu as janelas e aumentou o volume dos guinchos... tipo, como se a quisessem matar ou lhe estivessem a bater.
Zangado, o reforço chegou na figura Penamacor, protetor, amante e investidor privado da Cochita. O Penamacor, fora praça da guarda, mas que por ser ladrão e vigarista acabou expulso da nobre corporação. Perdeu a farda mas ficou com o porte, com os bigodes retorcidos e a pança de 8 meses que lhe servia para manter o respeito. O Penamacor era grande mas ao ver os cinco valentes, optou pela abordagem legalista.
Os guinchos da Conchita acalmaram para deixar o seu homem falar:
-- Ora bamos lá a ber o quéisto? As boxas identificaxões faxavor!
Ora o pessoal do barreiro, está bem habituado a guardas e rusgas e se há coisa que se distingue bem, é um pintas a querer passar por bofia!!!
Esta verdade é válida hoje, em 2016, como era em 1955...
Quando o Penamacor pediu a identificação, um dos presentes, seja por ato de nervosismo, seja apenas por um sentido de humor mais javardito, soltou uma sonora flatulência que empestou o ar e fez explodir em gargalhadas os outros quatro...
Voltaram os guinchos com mais força!!!
O Penamacor, percebeu o recado e ameaçou que ia la dentro ia buscar a pistola...
-- Olha lá ó bigodes, se tivesses pistola, já a tinhas nas patas!!!
O Penamacor, para não levar uns mimos atirou-se para o chão a fingir que estava a ter um ataque cardíaco.
Mais guinchos....muitos guinchos
Como o ambiente começou a ficar monotno, os rapazes do barreiro, decidiram ir procurar diversão noutro sitio...
Desceram as escadas num torpel ficando para trás um dos cinco que sendo de profissão relojoeiro, não resistia a um relogio de sala parado e ficou a dar-lhe corda.
Os gritos soavam em toda a baixa de Coimbra.
Quando o relojoeiro começou a descer, já vinha a polica a subir. Preocupados com o relojoeiro que tinha ficado para trás ainda na escada ouviram o rapaz dizer:
-- Suba suba rápido senhor policia que eles matam-se todos lá em cima....
O Belenenses perdeu o campeonato porque a Académica marcou a quatro minutos do fim nessa tarde de abril de 1955, mas parece que o arroz de coelho da Conchita não estava mau.
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