terça-feira, 30 de abril de 2019
Camões
Andou anos de caganeira em terras estranhas, com armas na mão a servir a pátria que o pariu. Veterano e mutilado, voltou desfeito para Lisboa.
Depois de um cálvario de petições, requerimentos, pedidos, cunhas e empenhos lá lhe arranjaram um obscuro e modesto lugar como funcionário público com um salário miserável que mal dava para pagar a conta dos fiados nas tabernas da Mouraria.
Parece que tinha tendencia para os copos, para jogar aos dados e para os outros prazeres da vida. Escrevia cartas, função que cobrava a quem lhe pagasse e poemas de amor que oferecia a quem os inspirasse.
Pra ver se se safava, escreveu um calhamaço a falar bem do governo e da familia de quem mandava. Uma coisa maçuda que nem com todo o seu talento se torna ligeira. Um livro sério a apelar a um sentimento patriótico que estava longe de sentir. Um texto para a agradar aos reis e funcionários da corte.
Mais papeis e requerimentos e editaram o livro ao homem. Por fim, já moribundo de tuberculose e cirrose, com o figado desfeito, os pulmões disfuncionais e a alma esburacada, lá saiu o livro. Meses depois, meia duzia de moedas para pagar dividas, juros e favores.
Apagou-se com cinquenta e seis anos, pelas vesperas dos santos populares. Enterraram-no onde calhou e o senhorio ficou com a pobre mobilia para pagar as rendas em atraso.
Quinhentos anos depois, cruzaram-lhe o nome com a pátria. Remexeram, juntaram e roubaram uns ossos de uma vala comum e fizeram um funeral com pompa e circuntancia. Ao certo sabe-se que são as ossadas de meia duzia de desgraçados enterrados na Mouraria. Parece que a unica coisa que é certo que era dele e que levaram para os jeronimos foi a caveira. Ou então levaram a caveira de outro zarolho pobre...hipotese sempre possivel...Seja como for, escreveram na pedra de um tumulo, o nome com que assinava.
Hoje, o poder celebra-se a sí próprio em nome dele.
O país continua igual com os seus poderosos burocratas, com analfabetas elites alapadas a um poder instituido que tudo faz para se prepetuar à tona da poça de vomito a que chama casa. O país continua com um povo de devotos miseraveis a agonizar em pobreza das dividas do que não tem. Um povo que tem como unico consolo a fanatismo da fé e a embriagues vinho. Agora alem do tinto, branco e verde, tambem há futebol e televisão.
Celebrar o quê?
Estou convencido que se o Camões fosse vivo mandava-vos a todos enfiar as comemorações do dez de Junho no buraco do olho que não vê.
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