terça-feira, 30 de abril de 2019
Intrujas
Rishikesh. Capital mundial da Yoga. (Do Yoga, para os mais puristas).
Foi em Janeiro. Passaram mais de dez anos.
De Delhi a Rishikeh foram umas 12 horas de autocarro numa viagem nocturna que poupou as rupias de um hotel mas que não poupou as costas. Chegado ao nascer do dia os Himalaias disputavam a minha atenção juntamente com os intrujas. Todos eles eram do hasram mais puro e mais fiel à verdadeia yoga...
Eu não vim pela Yoga, fui dizendo... vim para ver as montanhas.
Procurei alojamento numa pensão fora da "cidade". Fiquei instalado dois quilometros a pique sobre o rio. No segundo e terceiro dia ainda todos insistiam em levar-me para uma escola de yoga.
Todos as pessoas com quem me cruzava em queriam convencer de alguma coisa. Alguma coisa que eu precisava muito de aprender, que ia mudar a minha vida, que ia mudar a minha consciencia cosmica...
Até na tasca/pensão onde estendi o saco cama me queriam inscrever nas aulas da manha. Só desistiram de me santificar pela respiração, postura e meditação, quando vendo os porcos cruzados de javalis que por ali pastavam me ofereci para cozinhar um guizado...
Depois do guizado de javali, fui adotado.
Dias luminosos e frios de grandes caminhadas pelas montanhas e grandes representações teatrais dos intrujas que eram todos super-mestres-de-verdadeira-yoga. Noites longas a volta do lume a beber chá e ouvir contar histórias.
Gostei especialmente de conhecer e de falar com o David, um australiano sexagenário, passado do prazo e encalhado nos anos 60 há mais de duzentos anos. Vivia em Rihikesh "desde que os Pink Floy lançaram o Dark Side of The Moon". Dizia que morava ali porque gostava do ar da montanha e não já fazia Yoga... mas que mesmo não já não sendo praticante, os seus intestinos só trabalhavam depois do sury namaskar (saudaçao ao sol). O dinheiro chegava-lhe da segurança social da Austrália num esquema vagamente fraudolento que tentou explicar-me sem sucesso.
Uma noite, depois do jantar, o David entrou de repente na tasca, mais branco do que o costume, a tremer de medo e a dizer que se tinha cruzado com um leopardo. Andou frenetico a trancar todas as portas e janelas da pensão e a exigir que a patroa recolhesse o cãozarrão que vivia sarnoso do lado de fora da porta.
Depois de toda a agitação e dos avisos sérios a cada um dos presentes, foi a correr para a casa de banho. Mesmo sem sury namaskar. Voltou, ficou o resto da noite calado a olhar para as brasas.
O chá que este bacano bebeu ao jantar é dos rijos, até dá para ver leopardos....pensei.
Apesar do frio, ainda fiquei um bocado a olhar para as estrelas e a pensar na vida.
Na manhã seguinte, um leopardo tinha comido duas vacas.
Vem isto a proposito das tangas e dos intrujas.
Aquilo que é mesmo mesmo mau e chato nos intrujas e nos mentirosos é que, quase que conseguem roubar-nos a capacidade de acreditar. Só porque as verdades parecem mentiras, pensamos logo que é tanga, fabula ou alucinação...como o leopardo do australiano...
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