segunda-feira, 29 de abril de 2019

Ratos

Karni Mata. Assim se chama o templo das ratazanas, disse ratazanas e não dos ratos, para não faltar à verdade e não enganar ninguém, que a minha vida não é enganar quem me lê. Karni Mata. Fica em Bikaner, no Rajastão, Oste da India. Foi no inicio deste seculo, deambulando pelo mundo tropecando, andando e correndo que cheguei a Bikaner onde estive dois ou três dias. Fiquei numa daqueles pensões baratas que nascem como a erva rasteira ao pé das estações de comboios. Aluguei a parte de cima de um beliche e um armario de madeira tipo cacifo do qual me deram um pequeno cadeado com a respetiva chave, coisa que não usei porque naa mochilita levava o meu próprio cadeado! Estava calor, e este vosso amigo, e mais do que de comer, precisava de um banho. Duchei-me nos balneareos da pensão, mudei de cuecas, meias e camisola. Aproveitei a agua corrente para lavar a roupa suja que estendi numa corda entre dois beliches e fiz-me à cidade. A grande atração de Bikaner era, e penso que ainda seja, o templo Karmi Mata. Fui lá. Pelo caminho vi algumas ratazanas, nada de excepcional. Bichitos fugidios entre o lixo que se acumula nos cantos das ruas. É assim em toda a parte do mundo. Verifiquei que à medida que me aproximava do sitio que o mapa em papel dobrado me dizia que estava o templo , a população e o tamanho da rataria foi crescendo. Também a timidez dos roedores se foi desfazendo à medida que me aproximava. Gordos e descarados saltitavam pelos passeios e tinham definitivamente deixado os esconderijos das sargetas. Junto ao tal templo, uma multidão de homens, mulheres, crianças e ratazanas. Cheirava a fruta, leite azedo, chulé e a ratos. Nos templos desse mundo, regra geral, as pessoas entram descalças... Os cristãos são excepção, onde nas igrejas que se pode entrar de botas...mas tirando os seguidores do cruxificado, na casa dos deuses, entra-se descalço. Em Karni Mata é como vos conto. Australianos de ambos os sexos amontovam-se à porta com os tenis pendurados ao pescoço. Mais ordeiros japoneses faziam fila com as sandálias na mão e esperavam que uma excursão de reformados ingleses de saida se calçasse. Homens mulheres e crianças dali mesmo, vendiam redordações do local: fios com medalhinhas de ratazana, estatuas de madeira representando ratazanas, postais com ratazanas, quadrinhos para pendurar com ratazanas, pibturas de ratazanas, batiques com ratazanas, enfim artesano de rataria com fartura. Outros comerciantes, mais ao nível das artes performativas, mostravam ratazanas inchadas de culturismo e guloseimas que alugavam para tirar fotografias com os camones. E a malta alinhava naquilo, ficavam a rir-se para a maquina com a rata ao colo e para poderem tirar a fotografia davam ao dono da criatura o equivalente ao que eu tinha pago pelo almoço. Isto para não falar nas banquinhas que vendiam fruta e leite para fazer oferendas aos ratos. A fila ia avançando neste circo. Chegou a minha vez na fila para entrar. Era preciso descalçar as botas. Olhei para dentro do templo e a contraluz vi os quinhentas mil vultos no chão e nas paredes. Atrás de mim, uma família inglesa pressionava para avançar. Vinham à procura da Índia Mística dos anuncios. Eu procurava outra coisa que definitivamente não estava ali. Desisti de descalçar as botas e sai da fila. Fui à procura de um sitio longe dali para beber uma cerveja. Afastado o suficiente para não cheirar a ratos, protegido do sol, bebi uma cerveja morna numa esplanada que me soube tão bem como se tivesse gelada. A seguir fui comparar o bilhete de comboio para sair dali. Nem sei porque me fui lembrar disto hoje...acho que é por causa do calor que já chegou.

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