terça-feira, 30 de abril de 2019
Campismo
Iamos por meados de um março seco e frio. Saímos do barreiro depois de almoço. Era um sábado. Material, cadela e criança arrumada no carro. O mais velho não foi por alguma razão dos seus compromissos. O Dylan a cantar e os quilometros a escorrerem debaixo das rodas. Chegamos à Serra ao final da tarde. Escolhemos um sitio fixe junto a uma lagoa com arvores num terreno plano. Afastado da estrada de alcatrão e numa aberta entre os pinheiros.
Montamos a tenda já quase de noite. As meninas tiraram as coisas de dentro do carro e eu fui apanhar lenha com a cadela, essa sim, que parecia desfrutar tanto como eu do contacto com a natureza. Acendi já no escuro, um lume que fizesse o jantar e aquecesse a noite que se previa fria.
Noite cerrada jantamos à luz das lanternas. Peitinhos de frango temperados dentro do saco de plastico e grelhados nas brasas ali aos nossos pés. Café e chá feito na fogueira. Estrelas num mágnifico céu e frio. Depois tirei a fotografia que partilho.
-- Pai, não há televisão e não tenho luz para ler...
-- Amor, tá um bocado de frio...
-- Pai, se vier um lobo a Luna luta com ele?
-- Amor, a louça suja vaia atrair formigas e outros insectos.
-- Pai, quero ir fazer xixi, vou aonde?
-- Amor, já pensaste que romantico que é um quartinho quentinho num hotel ou numa pensão, mesmo baratinha?
-- Pai, podiamos ir para dentro do carro e eu dormia la atrás.
O proprio céu, contrariado, começou a ficar carregado de nuvens.
Eu ia falando e contando historias. Tentava entreter a dificil audiência. Falava sobre ursula menor e sobre as dimensões do universo, a distancia das estrelas e os cosmonautas. Sobre o encontro entre o Che e o Fidel na Cidade do Mexico. O conflito entre o nobel Cholokhov e o Stalin. A brilhante estratégia do heroico Ho Chi Min. O papel do Bougard no casablanca. A infancia do Charlie Chaplin. Anedotas velhas de elefantes e de cocó nas paredes. Nada parecia anima-las...
Estoicamente ignorei as primeiras gotas que cairam.
– Tá a chover! Vamos para dentro da tenda.
Disseram as duas em coro.
A cadela concordou e tambem se levantou.
Foram para dentro da tenda e eu fiquei a arrumar as coisas na mala do carro.
Quando cheguei ensopado à tenda, vesti o saco-cama e deitei-me. A cadela ficou num tapete abrigada pelo avançado.
A chuva aumentou o ritmo de batidas no tecido. Dormimos embalados pelo bater da chuva nos pinheiros.
Amanhaceu e continuou a chover. Torrentes.
Fui ao carro buscar coisas para o pequeno almoço, mas ao contrário do previsto e desejado, o ambiente não era de festa.
Fiz-lhes a vontade: viemos embora!
Quando se ama, é assim, fazemos sacrificios... uns fazem o sacrificio de ir, outros fazem o sacrificio de vir embora... a chuva simplesmente forçou o equilibrio da coisa!
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